- Nem sempre o que pensamos cabe em 240 caracteres, mas
talvez o problema não esteja necessariamente no limite de caracteres.
- Nossa, bonita essa frase, daria um bom twitt.
- Quantos caracteres Camões usou nos Lusíadas?
- 1287!
- Hein?
- Você nem leu Os Lusíadas.
- Mas esse não é o ponto, quase ninguem leu.
- Tem um grupo de whatsapp do colégio, em que me
colocaram, da hora do almoço até agora 1287 mensagens.
- Eu silencio todos os meus grupos, só vou entrando e
lendo o que me interessa.
- Assim você perde o timing da piada, e o timing é
tudo, tenho uma teoria sobre isso.
- Provavelmente essa sua teoria não vai caber em 240
caracteres.
- Mas você pode ir condensando essa teoria toda em twitts
contínuos.
- Eu tinha um grupo do colégio também, um dia silenciei
por uma semana e não sei o que aconteceu, acho que teve um apocalipse, acabaram
as mensagens.
- Conectividade, uma boa forma de viver é procurar o
check-in perfeito, algo como o Eldorado.
- Tenho uma amiga que enganou um cara dizendo que
estava na Europa, postando fotos de uma viagem antiga.
- A Farsa de Inês de Castro “mais vale asno que me
carregue do que cavalo que me derrube”.
- Bela citação, cabe num twitt de 240 caracteres.
- Gil Vicente, essa farsa é uma farsa, não confunda
bife de caçarolinha com arma de caçar rolinha.
- Caraca, que frase foi essa que saiu?
- A Farsa de Inês Pereira.
- Acho que dá para escrever um cartão de aniversário
com 240 caracteres.
- Quem escreve cartões de aniversário hoje em dia?
- Quem fala hoje em dia, hoje em dia?
- Inês de Castro é aquela dos Lusíadas.
- Que você não leu...
- Ler ou não ler, eis a questão que por vezes define o
ser, mesmo sendo o ser algo próprio do plano do ser.
- O check-in é algo pertencente ao plano do ser ou do
dever ser?
- Tenho uma teoria sobre isso...
- Vou pedir mais uma cerveja então, quantos copos? 4?
- Embora ele seja, já que é uma representação de algo
real, o fato de estar relacionado a uma potencialização comunicativa ligada à
conectividade, empresta uma natureza mais próxima do dever ser, pois seria uma
representação da vida, não propriamente a vida.
- A vida é muito mais do que a representação da vida.
- Original, por favor!
- Fui assistir Mãe ontem no cinema, não vale nem a pena
sair de casa...
- Eu gostei, aquela discussão sobre religião, sobre
Deus.
- “É Deus: mas o que é Deus ninguém o entende, que a tanto
o engenho humano não se estende.”
- Camões em até 240 caracteres?
- Hoje o céu está tão lindo.
- Cai chuva, hahaha tô brincando, melhor continuar assim
mesmo.
- Mãe é um filme polêmico, muitas pessoas não vão
gostar.
- Mas a polêmica é uma forma de expressão artística.
- No livro Ética a Nicômaco, Aristóteles busca um
significado de felicidade que se confunde com o ato de contemplar, que seria
uma forma de prazer que se confunde com a vida, a criação.
- “Céu de cinema, estrada, de algum lugar qualquer, nem
lá nem cá o Sol...”
- Contemplar será um verbo intransitivo?
- Viver, aparentemente é.
- É por isso que eu digo, quantas vezes se vive?
- Eu tô gostando dessa conversa toda porque as frases
cheias de sentido, colocadas juntas não estão encontrando todo esse sentido.
- Deve ser a falta de cerveja.
- Conectividade, já falei sobre isso hoje?
- Tenho uma teoria sobre isso.
- Quem quer pedir uma porção?
- De teorias, conectividade, palavras na mesa?
- Talvez os pastéis mistos sejam uma boa opção.
- E a saideira, se só se vive uma vez, se vive sempre
com uma saideira.
- É uma boa frase para a vida.
- E cabe num twitt.
- Garçom, a conta por favor, e a saideira.
- E os pastéis?